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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

As leis e os políticos


As leis e os políticos
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Por Peter Wilm Rosenfeld

Estamos acostumados a ouvir que as leis, a partir da própria lei maior, que é a Constituição, determinam que certos procedimentos têm que ser obedecidos, o que é perfeitamente certo.

Acontece que a Constituição em vigor a partir de 5 de outubro de 1988 foi redigida e promulgada com um notável sentido de vingança e de reparo de certos supostos ultrajes que teriam sido cometidos durante o período que começou com o movimento de 1964. O espírito foi nitidamente o de revanche. Tanto assim que quase imediatamente após sua promulgação começaram a ser aprovadas emendas, que atualmente somam 55.

Chegamos ao cúmulo de 20 anos após a promulgação da Constituição não terem sido debatidos e aprovados dispositivos que, de acordo com a mesma, deveriam ser regulamentados por Lei.

Por outro lado, os diversos Códigos em vigor datam de décadas, ou seja, estão completamente defasados em relação às condições atuais de vida em todos os sentidos.

Isso leva o Poder Judiciário a ser obrigado a prolatar sentenças que julgamos absurdas, o que é absolutamente correto; há que considerar, porém, que os juízes das diversas instâncias têm que julgar de acordo com as Leis em vigor.

Ora, se sabemos qual o espírito que norteou os parlamentares constituintes; se sabemos que todos os Códigos, sem exceção, estão completamente defasados, por que essa situação não é corrigida? Será que a sociedade quer conviver com esses absurdos?

Claro que não, exceto para aquelas parcelas da sociedade que querem que as leis permaneçam com suas redações atuais porque são favoráveis a elas (por exemplo, os infratores, os bandidos e tantos outros não querem que o Código Penal e o de Execuções Penais sejam atualizados). Como igualmente todos os infratores não querem alterar os dispositivos que estabelecem que ninguém será considerado criminoso até que transite em julgado, na última instância, seu processo.

Isso faz com que criminosos confessos, condenados a penas severas em primeira instância, continuem em liberdade até que haja uma condenação pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, o que leva muitos anos. Por vezes, a última decisão é prolatada quando o infrator já não mais está vivo!

Pergunto: isso é justo? Claro que não!

E então, por que não são corrigidos esses absurdos?

Respondo: porque aos políticos isso não interessa. Cabe a eles decidir, pois só eles podem fazê-lo, via revisão da Constituição e outras leis, com a concordância do presidente da República, a quem cabe sancionar esses dispositivos.

Exemplo: interessa a qualquer parlamentar alterar o instituto da imunidade parlamentar? Claro que não, pois isso lhe permite praticar todo e qualquer crime, inclusive o de matar ou de roubar, sem que nada lhe aconteça.

Outro exemplo: interessa a qualquer político modificar o atual Código Eleitoral, de forma a torná-lo mais consentâneo com nossa realidade? Claro que não, pois isso faria com que a sociedade tivesse um melhor controle sobre as atividades dos parlamentares (por exemplo, com o voto distrital).

Então, em minha opinião, podemos culpar os políticos por grande parte, se não a totalidade, das desmazelas com que somos obrigados a conviver. Não me refiro só aos parlamentares atuais ou aos demais que praticam política (a começar pelo presidente da República, seus ministros etc.).

Estou convencido de que a ninguém que milita na política, em todos os níveis e em todo o país, interessa modificar o “statu quo” atual, apesar de umas poucas manifestações, sem muita convicção, ao contrário.

Dos cerca de 120 milhões de eleitores que temos atualmente, parcela significativa é de analfabetos que apenas sabem garatujar suas assinaturas (a Constituição de 1988 deu-lhes o direito de votar...) e não têm a menor idéia do que está acontecendo, exceto no que diz respeito ao recebimento do bolsa família...

Outra grande quantidade de eleitores sabe ler sem entender o que está lendo; sua grande motivação tem que ver com o que recebe do governo, gratuitamente.

Mais outros tantos, entre eles muitos letrados com cursos superiores, não têm o menor interesse pela política até porque sempre encontram um meio qualquer de contornar um problema legal (que nos leva a acreditar em que “quem tem dinheiro nunca vai para a cadeia”, com as exceções que provam a regra).

Então, sobram relativamente poucos os que têm consciência de todas as nossas incongruências e desmazelas, e que se debatem contra elas. Assim, nada muda; tenho pena de nossos descendentes e esperança de que consigam, um dia, alterar essa situação.

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03.02.2008

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